O intestino é muito mais importante do que você imagina. Ele é responsável pela produção de substâncias essenciais que atuam como neurotransmissores. Nossa flora intestinal (microbiota) contém cerca de 100 trilhões de bactérias, quantidade dez vezes superior ao número de células do corpo. Entenda porque o intestino é considerado o 2º cérebro.
O coração, o fígado e os rins que nos perdoem, mas não há órgão mais fascinante que o intestino. Além do tamanho exagerado (cerca de 250m²), ele tem neurônios e aloja trilhões de bactérias, boa parte delas envolvida em processos cruciais ao organismo. E você pensando que ele era um longo tubo por onde a comida passa nutrientes que são absorvidos e o que não é aproveitado vira cocô.
Sim, falamos das mesmíssimas células que constituem o cérebro. “O intestino tem cerca de 500 milhões delas”, calcula o gastroenterologista Eduardo Antonio André, do Hospital do Servidor Público Estadual, em São Paulo. É menos que a massa cinzenta, que tem bilhões, mas o suficiente para formar um sistema nervoso próprio, responsável por coordenar tarefas como a liberação de substâncias digestivas e os movimentos que estimulam o bolo fecal a ir embora. “Esses circuitos operam sozinhos, ou seja, independem do comando cerebral”, destaca André. Dá pra entender por que apelidaram o intestino de segundo cérebro?
Os neurônios intestinais chamam a atenção também pela sua farta produção de serotonina, molécula que nos leva ao estado de bem-estar – 90% da serotonina descarregada pelo corpo é fabricada ali. “Esse neurotransmissor é importante porque garante o funcionamento adequado do órgão”, diz o médico Henrique Ballalai, da Academia Brasileira de Neurologia.
Há um terceiro elemento que interfere nessa conexão: a cada vez mais estudada flora intestinal: Microbiota. “A microbiota tem papel decisivo na manutenção da saúde. Ela auxilia a digerir alimentos e a nos proteger de infecções”, explica a microbiologista Regina Domingues, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
A princípio, nossa relação com essas bactérias é pacífica e proveitosa para os dois lados: elas conseguem obter nutrientes necessários para sobreviver e, em troca, regulam nosso organismo. Hoje já é possível começar a entender como a flora interfere na predisposição a várias doenças e é capaz de influenciar até o comportamento e as emoções das pessoas.
De todos os micro-organismos que habitam o aparelho digestivo e passeiam por ele, a maior parcela é amiga. Há, porém, as bactérias maléficas. Se elas encontram condição para se multiplicar, podem causar problemas. Por isso o ideal é sempre ter as bactérias benéficas em maior número, a fim de que controlem as nocivas.
Os cientistas ainda estão apurando todos os detalhes envolvidos, mas já conhecem alguns fatores que desequilibram a microbiota. “Uma alimentação muito rica em gordura, por exemplo, está associada ao desenvolvimento de bactérias ruins e à morte de espécimes bons. As manifestações disso são mais gases e distensão abdominal”, exemplifica o coloproctologista Sidney Klajner, do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo. A desordem ainda é deflagrada por estresse fora de controle e uso de antibióticos, que, para matar os vilões, acabam exterminando também os mocinhos.
Se os germes maléficos dominam podem ocasionar dores, diarreia ou constipação. Só que o desarranjo local repercute na cabeça. Estímulos de confusão na barriga viajam até o cérebro e contribuem para o humor e a concentração irem por água abaixo. E aí ficamos enfezados. Confira aqui 12 hábitos que te ajudam a ter uma saúde mais plena.
Os médicos já sabem que condições como a síndrome do intestino irritável, marcada por diarreia ou dificuldade de ir ao banheiro sem razão aparente, propiciam nervosismo e depressão – assim como a ansiedade e o baixo-astral desequilibram a flora e patrocinam as crises.
Acontece que as interações perigosas não param por aí: a microbiota parece fazer diferença na probabilidade de desenvolvermos problemas neurológicos: há indícios de que até o Parkinson, doença que provoca tremores, começaria lá no abdômen.
A resposta é sim. A flora pode ser modulada para que as bactérias do bem vivam em paz ou voltem a reinar. E isso é obtido, em parte, via alimentação, quando se investe nos probióticos, lácteos enriquecidos com micro-organismos benéficos à saúde.
Mas fique atento ao rótulo: nem todo iogurte, por exemplo, é probiótico. Repare se a embalagem informa isso e qual sua concentração de bactérias, medida em UFC (unidade formadora de colônia). “O produto precisa ter de 2 a 10 bilhões de UFC por dose”, avisa Pedrinola. Probióticos também estão disponíveis hoje em cápsulas e sachês.
Só que não dá pra engolir um monte de bichinhos e se esquecer de alimentar a flora local. Essa é a função dos prebióticos. “Eles são ricos em fibras solúveis, que o sistema digestivo não aproveita sem a cooperação da microbiota”, define o microbiologista Arthur Ouwehand, da Divisão de Nutrição & Saúde da DuPont, na Finlândia.
Tais componentes, encontrados em vegetais como a cebola e a aveia, nutrem as bactérias. E elas, por sua vez, agradecem devolvendo vantagens ao nosso corpo.
O campo de estudos de intervenções na flora intestinal avançou nos últimos anos e já se veem boas tentativas de atenuar doenças mexendo com o nosso padrão de micróbios. Recorrer a bactérias das classes dos lactobacilos e bifidobactérias já é uma receita para abrandar a síndrome do intestino irritável, por exemplo. “Talvez, no futuro, tenhamos cepas de micro-organismos específicas para prescrever a cada problema de saúde”, especula Barbuti.
A investigação do eixo intestino-microbiota-cérebro é fresquinha, mas um tanto promissora. Alguns especialistas já chegaram a comparar o potencial de intervir ali ao das prestigiadas células-tronco. E tomara que ele se concretize. Quem sabe a resposta a vários problemas não esteja realmente bem debaixo do nosso umbigo?
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Adaptado de: https://saude.abril.com.br/mente-saudavel